Pessoa Idosa

Pessoa Idosa: Desafios, Serviços e Programas de Atenção.

Discussões sobre os aspectos referente à saúde e políticas públicas voltadas para a pessoa idosa.


No período de 08 a 11 de junho aconteceu o XX Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia na cidade de Fortaleza, organizado pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) com o tema “Como estamos envelhecendo: o indivíduo, a sociedade e o Brasil?”, que levou ampla discussões sobre os aspectos referente à saúde da pessoa idosa e às políticas públicas voltadas para esta população, com a participações de especialistas nacionais e internacionais.

As discussões apresentadas apontam para desafios na integralidade da atenção à saúde da população idoso, que implica assegurar o acesso universal e igualitário dos cidadãos aos serviços de saúde, como também à formulação de políticas sociais e econômicas que operem na redução dos riscos de adoecer. Observou-se também que estes avanços dependem da elevação da capacidade interdisciplinar na formação em saúde e na atuação intersetorial das ações e políticas públicas.

Por exemplo, a maioria dos determinantes de saúde não são biológicos, estão sob controle, a partir de condutas individuais e de abrangência coletiva, tais como, os fatores que influenciam no estilo de vida, no ambiente e na qualidade dos serviços disponibilizados.

Mesmo existindo discursos de que os determinantes da biologia humana – como herança genética, idade, ciclo de vida (infância, adolescência, maturidade, velhice) – tem menor influência nos riscos de agravos ou morte, na prática, as ações ainda se restringe nas intervenções biológicas do envelhecimento, com tímidas ações promocionais e preventivas que influenciem na coletividade, pois são questões que requerem condições políticas, econômicas, sociais, culturais e ambientais.

Atualmente, se depara com um maior número de população envelhecendo, o que na antiguidade era privilégio somente de uma minoria das classes mais abastadas. Entretanto, estes anos de vida a mais alcançados, não significam que as pessoas estão vivendo melhor, mas que prolongaram seus anos de vida, muitas vezes, acometidos por doenças crônicas, que diminui a capacidade e autonomia ou o tornam incapacitante.  

Uma experiência de trabalho – Entrevista!

Como forma de ilustrar a carência de ações promocionais e preventivas, remeto aqui um retrato da experiência de trabalho, citada na minha dissertação, de como os “velhos” chegam às doenças crônicas e incapacitantes e à urgência com o reconhecimento de ações de promoção de saúde[2] e prevenção de doenças[3].  

Trata-se de uma entrevista com uma idosa de 62 anos de idade, que esteve no setor de triagem do Ministério Público para buscar local de acolhimento (Orfanato) para seus netos, orfãos de pais, alegando a urgência de se submeter a tratamento de saúde. O fato de o setor de triagem não identificar atribuição ministerial e tratar-se de uma situação social complexa, levou à solicitação ao Serviço Social para orientar a idosa. Após entrevista, a idosa gerou demanda individual de saúde na 16ª PJFS para solicitação de um exame de audiometria; após registro outra demanda foi identificada no serviço do disque 100, na 7ª PJFS/Infância e Adolescência, com a informação de negligência dessa avó com os netos.

Senhora de 62 anos, viúva, no momento tem como única renda o benefício do Programa Bolsa Família, relatava por meio de uma porta-voz (amiga da associação que participa) que estava sem possibilidade de prestar os serviços domésticos como diarista, após o agravamento do estado de saúde, apresentando um guia de indicação cirúrgica com urgência, e que não estava conseguindo marcar através do Sistema Único de Saúde – SUS.  

A respeitosa senhora, com olhar de estranhamento, foi revelando, por detrás daquele guia médico, um retrato dramático de sua história de vida, que no decorrer da familiarização com o espaço, a comunicação labial e visual foi fluindo, intercalando com as palavras de sua porta-voz para complementar as especificidades mais trágicas, nem sempre trazidas por ela.

Compartilhou que há dois anos vem sendo afetada por uma perda auditiva, que passou por avaliação médica, onde foi solicitado um exame de audiometria para averiguar possível indicação de uso de próteses auditivas, ainda não fazendo uso por falta de autorização do exame pelo SUS entregue na Unidade de Saúde do Bairro. A preocupação da senhora era com as orientações recentes que havia recebido do profissional de saúde, quanto ao agravamento de sua vesícula, que, segundo ela, “se não for tratada pode estourar” (sic) e levar à morte.

Além de seu problema de saúde, informou sobre as fricções surgidas nos últimos meses em seu núcleo familiar, composto por ela e dois netos, de 11 e 12 anos de idade, órfãos de pais, os quais vêm ignorando suas orientações, “saem sem avisar ou deixam-me falando sozinha” (sic).

Segundo ela, atribui este comportamento dos netos pela sua “incapacidade” de manter o lar abastecido com “misturas” (sic), ou seja, alimentos que quando trabalhava poderia trazer para dentro de casa.   Durante o diálogo perguntou sobre “algum lugar” que poderia deixar seus netos, caso tenha que ser submetida à cirurgia, pois se preocupava com a possibilidade deles permanecerem na rua. Neste intervalo silencioso, sua porta-voz faz complementação sobre o recente despejo da família do local que residiam por falta de pagamento do aluguel.

Informando que a família passou a residir num espaço improvisado, um aluguel mais barato de um único cômodo, enquanto aguarda na lista para contemplação de unidade habitacional no Programa  

Minha Casa Minha Vida. (DEMANDA DE SAÚDE, 2012)

A senhora não permaneceu “conformada” com a negação de atendimento dos procedimentos de saúde porque surgiu a possibilidade da “morte precoce”, “se não tratar pode estourar”. Havia deixado de lado o exame auditivo, e sua dificuldade auditiva se refletia na convivência familiar, sem perceber que os conflitos com os netos passavam pelo comprometimento na comunicação com os mesmos, ou seja, a negação de saúde integral.

O caso é um retrato de “como estamos envelhecendo: o indivíduo (…)”, e como a sociedade responde a este cenário, o que revela a importância de elevar as estratégias de prevenção e intervenção precocemente, pois a falta de informação, investigação e tratamento faz o indivíduo perder a chance de tratar o problema, eclodindo a incapacidade ou comprometimento na autonomia.  

Acredita-se que toda ação antecede um discurso, assim, como forma de afirmar a possibilidade de melhorias nas condições de saúde e sociais apresenta-se algumas escassas experiências de políticas públicas voltadas para o atendimento da pessoa idosa na sociedade brasileira, como também, experiência de uma cidade europeia que oferece atendimento ao idoso em condição bem mais avançado que os serviços brasileiros.  

A experiência relatada pelo conferencista Fabio Cimador, Coordenador de programas da pessoa idosa e assistência domiciliar na cidade de Trieste/Itália, que apresentou sua experiência sobre a sustentabilidade de uma cidade com mais de 30% da população envelhecida, previsão que alcançara a população mundial em 2030. Trieste é uma província localizada no nordeste da Itália, com mais de 200 mil habitantes, onde 30% da população tem mais de 65 anos de idades.  

O professor Fabio também faz parte do “Grupo da Tríplice Aliança”, que visa a difusãoo da “Cultura de não Contenção” da pessoa idosa dependente; projeto criado em junho de 2014, por profissionais de três países: Brasil (Niterói, Rio de Janeiro), Itália (Trieste) e Argentina (Buenos Aires); atualmente conta com outros paises como França e Holanda.  

Nos últimos anos a cidade de Trieste tem investido em programas de assistência domiciliar, tanto do setor público como privado, que a longo prazo resultou na diminuição de investimentos em internações hospitalares e institucionalização em entidades de longa permanência.  

A oferta dos serviços contempla cobertura integral em todo o território, incluindo:  

  • (a) Assistência em domicílio, que visa deixar o idoso mais próximo de seus familiares, diminuindo o risco de infecções hospitalares ou agravamento da situação clínica. A estrutura do programa reúne profissionais de saúde que prestam assistência gratuita no domicilio com cuidados, curativos, medicamentações, e se necessário, até higiene pessoal. Os profissionais da equipe são contratados pelo governo desde o ano de 1995, por meio do Sistema de Saúde;  
  • (b) o governo também investe em Instituição de Longa Permanência, mesmo com a assistência domiciliar, a cidade conta com 100 instituições, em que 5% dessa população faz uso deste serviço – se compararmos com a situação brasileira, verificamos que este serviço contempla somente 1% brasileira e a realidade revela escassez de vaga desse serviço, além da fragilidade da oferta;  
  • (c) programas de formação de pessoal para cuidados, segundo Fábio, talvez este seja o diferencial na oferta dos serviços, pois além dos investimentos com a capacitação de pessoal, existem um trabalho sociosanitário, em que as políticas de saúde e assistência social andam juntas, o que reduz os casos de violação de direitos, mas caso identificados são comunicados os serviços da polícia.   Destaca-se que o êxito do trabalho requer investimentos prioritários na rede de assistência e cuidados em saúde. A cidade de Trieste também se destaca por ser a primeira cidade a receber o título de “cidade livre da contenção”.  

Alguns serviços oferecidos.

No que diz respeito a sociedade brasileira, destaca-se alguns serviços que auxiliam a família no cuidado, ainda que escassos pontuais. Por exemplo, no município do Rio de Janeiro, existe o Projeto Idoso em Família, que concede benefício financeiro às famílias, com objetivo de inserir os idosos e seus familiares nos serviços disponíveis na rede, possibilitando lhes atendimento, além de informações e orientações que auxiliem no cuidado.  

Outro serviço é o Projeto Agente Experiente, caracteriza-se pela  concessão de bolsa a 100 idosos para realizar atividades como: acompanhamento dos profissionais dos Centros de Referência de Assistência Social em visitas domiciliares; participação no levantamento da rede de serviços; participação na campanha de vacinação de idosos; encaminhamento da população para serviços e programas do município, dentre outras (ASSIS E POLLO, 2008).  

No município de São Paulo, existe o programa de Acompanhamento de Idosos (PAI), modalidade de cuidado domiciliar biopsicossocial a pessoas idosas em situação de fragilidade clínica e vulnerabilidade social, que disponibiliza a prestação dos serviços de profissionais da saúde e acompanhantes de idosos, para apoio e suporte na Atividades da Vida Diária (AVD´s) e para suprir outras necessidades de saúde e sociais.  

Outro trabalho apresentado foi o Projeto Parceiro do Idoso financiado pelo Fundo Municipal do Idoso com captação de recursos do Banco Santander para vinte municípios brasileiros, com objetivo de oferecer capacitação técnica às equipes dos municípios e direcionar recursos financeiros aos Fundos Municipais dos Direitos do Idoso.  

Existem outras experiências, entretanto, o objetivo da reflexão é chamar atenção para a implantação de políticas públicas que contemplem os princípios constitucionais, com a universalidade a toda a população, a integralidade, que vai além da atenção individualizada, mas a partir da identificação das causas, e o princípio da equidade.  

Quando as políticas públicas não são favoráveis para proporcionar melhoria no estilo de vida e qualidade nos serviços prestados, assiste o equívoco de atribuir e clamar ao indivíduo seu autocuidado, quando isso não depende apenas de comportamentos e escolhas individuais, mas da relação entre indivíduos, meio ambiente e políticas públicas que estimulem mudanças sociais, econômicas e ambientais.  

Garantir um patrimônio social de saúde ao longo da vida de modo que envelhecemos bem no percurso de todas as fases da vida, querer prioridade nos investimentos de atenção básica, melhoramento das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, lazer, enfim, acesso às políticas sociais básicas, não apenas em uma fase da vida, mas o longo de seu percurso.  

O ciclo da vida possui oscilação entre ganhos e perdas que devem ser reconhecidos. Ao nascer dependemos de outros para os cuidados básicos, mas com o processo de desenvolvimento e crescimento – quando em percurso normal – adquirimos capacidade funcional e autonomia para criar e reinventar sua vida, e ao longo dela, esta capacidade tende a diminuir.  

Assim, também precisamos prever cuidados para esta fase.

Sonia Cristina Rovaris[1]  


[1] (*) Sonia Cristina Rovaris é assistente
social do Ministério Público Estadual da Bahia, mestre em Gerontologia pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia, da Pontifícia Universidade Católica de São Pau. E-mail: rovaris.cristina@yahoo.com.br
 
[2]Segundo Czeresnia (2003), existe diferença entre promoção e prevenção nos serviços de saúde, embora a terminologia tenha sido usada de forma similar. Promover significa dar impulso a; fomentar; originar; gerar. Promoção da saúde define-se de maneira bem mais ampla que prevenção: são estratégias de promoção as que enfatizam a transformação das condições de vida e de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos problemas de saúde, demandando uma abordagem intersetorial.
 
[3] Prevenir significa preparar; chegar antes de; dispor de maneira que evite (dano, mal); impedir que se realize.  A prevenção em saúde exige ação antecipada, baseada no conhecimento da história natural a fim de tornar improvável o progresso posterior da doença. As ações preventivas definem se como intervenções orientadas a evitar o surgimento de doenças específicas, reduzindo sua incidência e prevalência nas populações. Seus objetivos são o controle da transmissão de doenças infecciosas e a redução do risco de doenças degenerativas ou outros agravos específicos. Os projetos de prevenção e de educação em saúde estruturam-se mediante a divulgação de informação científica e de recomendações normativas de mudanças de hábitos (Czeresnia, 2003).

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